terça-feira, 27 de maio de 2014

ORAMOS PARA PEDIR NOSSA VONTADE OU A DE DEUS



A RELAÇÃO ENTRE A ORAÇÃO E A VONTADE DE DEUS 


VI – A VONTADE DE DEUS E A ORAÇÃO[1]

Existem alguns textos nas Sagradas Escrituras que unem a oração à vontade de Deus, que parecem indicar que esta é dependente daquela. Por exemplo, em 1 João 5.14, está escrito: “E esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedimos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve”. Textos como este frequentemente são usados para justificar o ensinamento de que a oração “toca o coração de Deus” a ponto de fazê-lo mudar de ideia.


Hoje em dia é comum ouvirmos coisas como promessas que devemos reivindicar, coisas que devemos fazer ou preencher para que os nossos pedidos sejam atendidos, ao passo que as exigências de Deus, os direitos de Deus, a glória de Deus são frequentemente deixados de lado.


No início citamos uma palavra de Watchman Nee a respeito da oração. A. W. Pink cita o editorial de um livro intitulado Oração ou Fatalidade, publicado em um jornal evangélico semanal. Eis um trecho:

Deus, em sua soberania, ordenou que os destinos dos homens possam ser modificados e moldados pela vontade do homem. Este é o âmago da verdade de que a oração muda as coisas, ou seja, que Deus muda as coisas quando os homens oram [2].

Essa citação parece uma cópia exata do que Watchman Nee afirmou em seu livro. E ela representa bem o espírito da nossa época. A crença dominante é exatamente esta: que a oração tem a capacidade de mudar os planos de Deus, de alterar o seu decreto eterno. No entanto, trata-se de uma aberrante e crassa heresia. Isso porque o destino humano é decidido não pela vontade do homem, mas sim pela vontade soberana de Deus. Dizer o contrário significa destronar Deus de sua soberania.


Como vimos, os planos de Deus ou o seu propósito eterno são referidos bíblica e teologicamente como sendo o seu decreto eterno. E a vontade decretiva de Deus é imutável. Ela é uma consequência lógica da imutabilidade do Ser de Deus. Se Deus, em seu Ser, é imutável, logicamente, o seu decreto, aquilo que Ele determinou desde antes da fundação do mundo também o é.


Devemos dar graças a Deus porque as coisas não são como muitas vezes queremos. Devemos render graças ao Senhor porque Ele não se dobra diante da nossa vontade. Que consolo haveria em servir um Deus volúvel, que muda de opinião ou de desígnios a partir da persuasão humana? Que encorajamento receberíamos em elevarmos diariamente nossas petições a um ser cuja atitude ontem já não é a de hoje? “Que vantagem haveria em mandarmos uma petição a um monarca terreno, se soubéssemos ser ele tão mutável, que atende petições em um dia, somente para revogá-las no dia seguinte?”[3]. A doutrina da imutabilidade de Deus, na verdade, deve ser o nosso maior incentivo na prática suplicante. A verdade da imutabilidade dos decretos divinos deve ser o nosso maior encorajamento para orarmos. O nosso Deus, diz a Sagrada Escritura, não sofre “variação ou sombra de mudança” (Tiago 1.17). Isso nos dá a convicção inabalável de que seremos ouvidos, e que Ele nos ouvirá e nos atenderá de acordo com a Sua boa, agradável e perfeita vontade. Como colocou acertadamente Martinho Lutero: “Orar não é vencer a relutância de Deus, mas é apropriar-se do beneplácito dEle”[4]. Eis uma prova bíblica adicional, de que a oração não muda os planos de Deus: “Disse-me, porém, o SENHOR: Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, meu coração não se inclinaria para este povo; lança-os de diante de mim, e saiam” (Jeremias 15.1). Quando a mente de Deus não se inclina a fazer o bem a alguém, a vontade dEle não pode ser alterada através das mais fervorosas e perseverantes orações, até mesmo daqueles que desfrutam da maior comunhão com Ele. Outro exemplo disso, é o relato da tríplice súplica de Paulo, para que o Senhor retirasse o espinho na carne que tanto o atormentava (2 Coríntios 12.7-9). Por três vezes o Senhor se recusou a atender o pedido de Paulo.


Com essa pequena reflexão acerca dos benefícios da doutrina da imutabilidade de Deus aplicada às orações, chegamos a um ponto de suma importância: Qual a utilidade da oração? Por que Deus ordenou que orássemos, se todas as coisas decretadas são imutáveis? Gostaria de apontar aqui algumas razões que justificam a oração como sendo uma atividade válida, genuína e útil para os filhos de Deus.


3.1. A Honra de Deus
Em primeiro e máximo lugar, a oração foi instituída para que o próprio Senhor Deus seja honrado. Quando o profeta Elias orou para que chovesse, ele reconheceu que Deus exerce controle sobre os elementos da natureza. Quando oramos para que o Senhor liberte um miserável pecador da ira vindoura, reconhecemos que “ao SENHOR pertence a salvação” (Jonas 2.9).


Deus exige que o adoremos. A oração, a verdadeira oração, é um lindo ato de adoração. Quando oramos, prostramos nossa alma em adoração diante do Rei do universo. Quando oramos invocamos o grandioso e santo nome de Deus; reconhecemos a bondade, o poder, a imutabilidade e a graça de Deus. Também reconhecemos a Sua soberania, quando, em oração, submetemos a nossa vontade à dEle.


A oração redunda em glória ao nosso Deus, pois quando oramos reconhecemos que somos completamente dependentes dEle. A oração é a confissão da debilidade do nosso potencial e da debilidade das nossas capacidades.


3.2. Um meio de bênção e de crescimento na graça
Em segundo lugar, a oração foi ordenada e designada por Deus a fim de ser uma bênção espiritual para nós, e um meio para o nosso crescimento na graça. A oração é um dos meios de graça que o Senhor concedeu ao Seu povo. Meios de graça “são aqueles meios que Deus ordenou com o propósito de comunicar as influências vivificantes e santificantes do Espírito às almas humanas. Tais são a Palavra e os Sacramentos, e tal é a oração”[5]. Wayne Grudem afirma que, “meios de graça são quaisquer atividades na comunhão da igreja que Deus usa para distribuir mais graça aos cristãos”[6]. A oração é um meio de graça porque ela nos conduz para mais perto de Deus. Através da oração temos comunhão e conversação com Ele, colocamos em ação todos os afetos graciosos, a reverência, o amor, a gratidão, a submissão, a fé e a devoção. Tais coisas sós nos fazem crescer.


O grande erro da cristandade é supor que a oração é um dispositivo pelo qual o homem obtém o suprimento das suas necessidades. Alguns imaginam a oração como uma espécie de botão que, ao ser pressionado, garante a satisfação. No entanto, a oração foi planejada pelo Senhor para nos humilhar. A oração autêntica consiste em chegarmos à presença de Deus, tendo consciência da Sua sublime majestade, o que produz em nós o reconhecimento de nossa insignificância e indignidade. Quando oramos, chegamos diante de Deus de mãos vazias.


3.3. A busca pelo suprimento das nossas necessidades
Em terceiro lugar, a oração foi designada por Deus a fim de que procuremos, da parte dEle, as coisas de que precisamos. É possível que, nesse ponto, alguém levante a seguinte objeção: “Qual é a utilidade de chegar-se alguém a Deus para dizer-Lhe aquilo que Ele já sabe? Para que eu Lhe apresentaria a minha necessidade, se Ele já tem conhecimento do que preciso? [...] Qual é o valor da oração por alguma coisa, se tudo já foi predestinado por Deus?”[7]. Mais uma vez, um dos grandes equívocos cometido pela cristandade é imaginar de forma tácita, que a oração tem a função de apresentar informações e dados que Deus ainda não possui. Jesus deixou claro, em Mateus 6.8, que o nosso Pai celestial conhece as nossas necessidades antes que Lho peçamos. Então, por que orar?


A finalidade da oração é expressar a Deus o nosso reconhecimento pelo fato que Ele já sabe aquilo que necessitamos. A oração jamais se destinou a proporcionar a Deus o conhecimento daquilo que precisamos; antes, visa a ser o meio de Lhe confessarmos o nosso senso da necessidade que temos. Ademais, é o meio de confessarmos que nossos olhos estão fitos nEle, pois sabemos que o nosso suprimento vem dEle.


Deus requer que as suas dádivas sejam buscadas. Deus é como um pai, que mesmo conhecendo as necessidades dos seus filhinhos pequenos, alegra-se quando eles lhe pedem algo. Deus deseja ser honrado através das nossas petições e ser o alvo da nossa gratidão, depois de haver concedidos as bênçãos que buscávamos.


De fato, Deus já predestinou todos os eventos do cosmos, até mesmo os aparentemente mais insignificantes (Mateus 10.29). Ainda assim, a oração é válida e necessária porque Deus nos manda orar: “Orai sem cessar” (1 Tessalonicenses 5.17). As Sagradas Escrituras declaram ainda que, “a oração da fé salvará o enfermo”, e também: “Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tiago 5.15,16). Lembremos também que, o nosso Senhor Jesus Cristo, o nosso modelo supremo e perfeito em todas as coisas, foi proeminente e zeloso na vida de oração. Com estes dados, fica evidente que a oração não é sem propósito e sem poder.

VI – CONCLUSÃO
Depois do longo arrazoado apresentado aqui, concluímos que, de fato a oração, apesar de ser uma atividade legítima, genuína, válida, benéfica e necessária, não tem a finalidade de alterar os desígnios de Deus, nem de fazer com que o Senhor formule novos planos. Deus já decretou todas as coisas que hão de suceder. Não obstante, também decretou os meios necessários para a sua concretização. Por exemplo, Deus predestinou certas pessoas para a salvação. Ele também predestinou a pregação do evangelho da graça como o meio para que a salvação se torne realidade nas vidas dos Seus eleitos. Da mesma forma, a oração é um dos meios para que a vontade de Deus seja efetivada na vida dos Seus filhos. As orações “são instrumentos, entre outros, por meio dos quais Deus cumpre os seus decretos”[8].


Eis, pois o grande desígnio da oração: não para que seja alterada a vontade do Senhor, mas, antes, para que ela seja cumprida, dentro do tempo e dos meios estabelecidos por Ele.


Louvado e glorificado seja o nosso Deus, por nos ter concedido a bênção da oração!

NOTAS:
[1] Condensado a partir de A. W. Pink, Deus é Soberano, (São José dos Campos: Fiel, 2002), 123-138.


[2] Ibid, 124.

[3] Ibid, 128.

[4] Ibid.

[5] Charles Hodge, Teologia Sistemática, (São Paulo: Hagnos, 2001), 1543.

[6] Wayne Grudem, Teologia Sistemática, (São Paulo: Vida Nova, 2002), 801. É interessante notar que, Grudem também inclui a oração como sendo um meio de graça, embora vá além da opinião de Hodge: “Há sabedoria, por exemplo, na opinião de Charles Hodge de que a oração é um quarto meio de graça”. Especificamente sobre a oração, ele afirma: “tanto a oração coletiva na igreja reunida quanto a oração dos cristãos uns pelos outros são meios poderosos que o Espírito Santo usa cotidianamente para distribuir bênçãos aos salvos”. Cf. Ibid, 806.

[7] A. W. Pink, Deus é Soberano, 130.

[8] Ibid, 131.

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