quinta-feira, 5 de abril de 2012

EPÍSTOLAS


Romanos e o Evangelho Paulino


Romanos foi a última carta escrita por Paulo, antes de seu prolongado período de detenção, primeiro em Cesaréia, depois em Roma. Portanto, é posterior às suas cartas aos Tessalonicenses, aos Coríntios e aos Gálatas (e provavelmente aos Filipenses). É anterior às cartas aos Colossenses e aos Efésios (para não falar das epístolas pastorais). A esta conclusão se pode chegar, não somente graças às evidências externas e às indicações cronológicas acidentais presentes nas epístolas, mas também pelo estudo do assunto de que tratam.

Alguns temas tratados por Paulo em sua correspondência com os coríntios reaparecem em Romanos: podemos comparar o que se diz sobre a questão da comida em 1 Coríntios 8,10 com o que se diz em 14:1; o que se diz sobre os membros do corpo e suas respectivas funções em 1 Coríntios 12 com o que se diz em 12:3ss.; a antítese entre Adão e Cristo em 1 Coríntios 15:21,45, com5:12ss.; as referências à coleta em prol de Jerusalém em 1 Coríntios 16:1 e 2 Coríntios 8, 9 com 15:25ss. Em alguns destes casos, a passagem de Romanos mostra por si mesma que é mais recente do que a passagem paralela de 1 ou 2 Coríntios. Mais particularmente, Romanos 8 reproduz grande parte da argumentação de 2 Coríntios 3:17-5:10 — combinada com parte da argumentação de Gálatas 4,5 — de um modo que tem sido descrito como "a livre criação, em duas ocasiões diferentes, de roupagem verbal para contornos lógicos familiares".' Contudo, de todas as epístolas paulinas, a que tem mais estreita afinidade com Romanos é Gálatas. Uma comparação das duas não deixa dúvida de que a mais antiga é Gálatas. Os argumentos apresentados sob pressão nas igrejas da Galácia de maneira urgente e ad hoc, são expostos mais sistematicamente em Romanos. Assim, Gálatas relaciona-se com Romanos "como o rude modelo esboçado com a estátua terminada".2 A Epístola aos Gálatas foi escrita às igrejas situadas na província romana da Galácia (com toda a probabilidade, às do sul da Galácia, as quais foram fundadas por Paulo e Barnabé por volta do ano 47 A. D., conforme o relato de At 13:14-14:23), para adverti-las que não caíssem do Evangelho da livre graça, à instigação daqueles que lhes ensinavam que sua salvação dependia de serem circuncidados e de observarem certas outras exigências da lei judaica.3 Aqueles mestres sem dúvida apresentavam essas exigências como adicionais à única exigência da fé em Jesus como Senhor, em que o Evangelho de Paulo insistia. Mas aos olhos de Paulo, essas exigências não eram tanto um acréscimo ao Evangelho; eram uma perversão deste. Aquele ensino anulava o princípio de que a salvação é dada pela graça e recebida pela fé. Dava aos homens a par-ticipação naquela glória que, de acordo com o Evangelho, pertence exclusivamente a Deus. Todo o esquema proposto por aqueles mestres era um evangelho diferente daquele que Paulo e seus colegas de apostolado pregavam;4 na verdade, não era evangelho nenhum.5 Em seu esforço para mostrar aos seus amigos gálatas onde jaz a verdade nessa matéria, Paulo levanta a fundamental questão da justificação do homem à vista de Deus. Que Deus é o supremo Juiz do mundo era doutrina comum do judaísmo, como o era também a crença em que chegaria o dia em que Ele pronunciaria o julgamento final da humanidade inteira. Todavia, Paulo ensina que, graças à obra realizada por Cristo, o veredito daquele dia pode ser conhecido por antecipação e ser aceito na era presente — que aqueles cujos corações forem retos para com Deus podem estar seguros da sua absolvição no tribunal divino, aqui e agora. Mas como os seres humanos podem, de fato, saber que estão "à direita" no que diz respeito à dívida deles para com Deus? Se fosse possível ao
homem ser justificado perante Deus pela observância das exigências dá lei judaica, como estavam ensinando agora aos cristãos da Galácia, qual foi então, o papel desempenhado pela morte de Cristo — ponto central do Evangelho? Conforme o Evangelho, a morte de Cristo visava à redenção do Seu povo e a endireitar sua relação com Deus. Mas Sua morte não seria necessária, se isto pudesse ser feito pela lei. Mas nós sabemos, diz Paulo, "que o homem não é justificado por obras da lei, e, sim, mediante a fé em Cristo Jesus — e seus conversos viram comprovada esta verdade em sua própria experiência. Assim, ele prossegue: "temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois por obras da lei ninguém será justificado" (Gl 2:16). Fé, e não obras: esta é uma antítese que Paulo, escrevendo aos gálatas, salienta. Uma antítese associada a esta, em sua argumentação, é: Espírito, e não carne. A nova vida que eles tinham recebido quando creram no Evangelho era vida comunicada e mantida pelo Espírito San-to. Era inimaginável que a obra do Espírito, pertencente a uma nova ordem, exigisse suplementação da obediência a ordenanças tão completamente ligadas à velha ordem da "carne" como a circuncisão e todo o seu séquito. A tentativa de viver em parte "segundo o Espírito" e em parte "segundo a carne" estava fadada ao fracasso, porque as duas ordens estão em franca oposição uma à outra: "a carne milita contra o Espírito, e o Espírito contra a carne"7 (Gl 5:17). Ambas estas antíteses — obras versus fé e carne versus Espírito — reaparecem em Romanos em sua seqüência lógica: a primeira nos capítulos 3 e 4, onde se discute o tema do caminho para a justiça, e a última nos capítulos 7 e 8, onde o assunto é o caminho para a santidade. Outro motif de Gálatas que ocorre também em Romanos é o apelo para o precedente de Abraão. Desde que a ordenança judaica da circuncisão se baseava na aliança feita por Deus com Abraão (Gn 17:10-14), aqueles que insistiam em que os gentios convertidos ao cristianismo deviam ser circuncidados, argumentavam que doutro modo não poderiam reivindicar nenhuma participação nas bênçãos prometidas a Abraão e a seus descendentes. Paulo replica a isto dizendo que a base sobre a qual Deus aceitou Abraão não foi a circuncisão deste, nem qualquer "obra" legal parecida, mas, sim, sua/e: "Abraão ... creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça" (Gl 3:6, citando Gn 15:6).f Assim, os filhos de Abraão, que herdam as bênçãos prometidas a Abraão, são aqueles que, como ele, têm fé em Deus e, conseqüentemente, são jus-tificados por Sua graça. Em suma, o Evangelho é o cumprimento das promessas feitas por Deus a Abraão e à sua posteridade — promessas que não foram anuladas nem modificadas por coisa alguma, nem mesmo pela lei mosaica, instituída em razão de elas terem sido feitas. Além disso, Paulo assegura aos cristãos gálatas: os que se sujeitam à circuncisão como obrigação legal, colocam-se sob o dever de observar toda a lei de Moisés, e ficam expostos à maldição divina lançada sobre aqueles que deixam de cumprir aquela lei em sua inteireza.9 Mas a libertadora mensagem do Evangelho fala como "Cristo nos resgatou da maldição (...) para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito prometido" (Gl 3:13). O princípio da justiça pela guarda da lei pertence a um estágio de imaturidade espiritual. Mas agora que veio o Evangelho, os que lhe obedecem e crêem em Jesus atingem sua maioridade espiritual como filhos de Deus plenamente desenvolvidos. O Espírito de Deus, que fez Sua habitação no coração dos crentes em Cristo, é também o Espírito do Filho de Deus, e pelo estímulo que dele vem, eles se dirigem espontaneamente a Deus como seu Pai, do mesmo modo como o fazia Jesus.1" Ratificando, o Evangelho é mensagem de liberdade em substituição ao jugo de escravidão levado pelos que confiam na lei para garantir que Deus os aceite. Por que deveriam os emancipados por Cristo abandonar sua liberdade e submeter-se de novo à servidão? Por outro lado, a liberdade trazida pelo Evangelho não tem nenhuma afinidade com a licença anárquica. A fé apresentada pelo Evangelho é fé que se manifesta em vida de amor, e assim cumpre "a lei de Cristo" (Gl 5:6; 6:2)." Daí Paulo arrazoa com as igrejas da Galácia, argumentando ad hominem bem como ad
hoc. Tem-se dito que "a justificação pela fé, conquanto não necessariamente incompatível com a primeira fase da doutrina de Paulo, foi de fato formulada e expressa por ele pela primeira vez quando achou necessário responder aos argumentos dos judaizantes da Galácia. Parece que não é de todo improvável que o termo justificação, que assume seu familiar significado e importância somente em Gálatas e Romanos, derive essa importância — e ao menos parte do seu significado — não do vocabulário teológico normalmente empregado por Paulo mas, sim, dos seus opositores". '2 Mas o Evangelho que Paulo apresenta insistentemente aos cristãos gálatas em sua carta, era o Evangelho que lhes havia levado quando pela primeira vez visitara as suas cidades e lhes pregara a mensagem da cruz tão vividamente que era como se "Jesus Cristo crucificado" tivesse sido exposto publicamente em cartazes diante dos olhos deles. Mais que isso: era o Evangelho que tinha revolucionado a vida do próprio Paulo. Como sabemos, Paulo repentinamente se convertera ao serviço de Cristo de uma vida em que a lei fora o centro ao redor do qual tudo mais estava organizado. Em seu sistema de pensamento e prática não havia lugar para abrigar sequer a possibilidade de que a pretensão dos discípulos acerca de Jesus era verdadeira. Seu mestre Gamaliel poderia fazer concessão a tal possibilidade — ainda que só para argumentar — mas Paulo não. Se havia um fato mais que qualquer outro suficiente para reprovar a pretensão dos discípulos de que Jesus era o Messias, era o fato de sua crucifixão. Se Jesus mereceu ou não tal morte era questão da menor importância. O que era de real importância era esta afirmação da lei: "o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus" (Dt 21:23). A sugestão de que alguém que morrera sob a maldição podia ser o Messias era blasfema e escandalosa. Quando Paulo, em plena carreira de perseguidor da igreja, foi compelido a reconhecer que Jesus crucificado ressuscitara dos mortos e era tudo quanto Seus discípulos diziam que era — Messias, Senhor, Filho de Deus — todo o seu sistema de pensamento e vida, previamente estru-turado em torno da lei, teve de ser feito em pedaços. O confiante juízo que tinha formado sobre Jesus, de acordo com aquele1 sistema, evidenciou-se completamente errado. Mas os fragmentos do sistema arrebentado logo começaram a organizar-se num molde totalmente diverso, ao redor de um novo centro — Jesus crucificado e ressurreto. Daí por diante, para Paulo o viver era — Cristo. Porém, o que houve com o argumento de que O crucificado morreu sob a maldição divina? Deixou de ser válido? Continuou sendo válido, mas recebeu novo significado. Ao ressuscitar Jesus dentre os mortos, Deus inverteu aquela maldição. Mas por que Jesus teve de submeter-se à maldição divina em primeiro lugar? Mais cedo do que era de esperar, Paulo teve de chegar à conclusão exposta em Gálatas 3:10-13: Jesus se submeteu à morte de cruz a fim de levar sobre Si a maldição que a lei sentenciava para todos os que não a cumprissem completamente (Dt 27:26). Paulo estava bem acostumado com a forma deste argumento, nas escolas rabínicas. Mas nenhum rabi jamais tinha formulado a substância deste ousado argumento — de que o Messias devia sujeitar-se voluntariamente à maldição lançada sobre os infratores da lei de Deus, para livrá-los daquela maldição. Deste modo, a doutrina de um Messias crucificado, que outrora fora uma pedra de tropeço para Paulo," veio a ser a pedra fundamental de sua fé, bem como de sua pregação. Não podemos dizer quanto tempo levou para que esta reinterpretação tomasse forma em sua mente.14 Talvez, tenha sido ajudado num estágio inicial pela consideração do retrato descritivo do Servo Sofredor que, em Isaías 53:10-12, entrega Sua vida como oferta pela culpa, em favor de outros, e, levando sobre Si o pecado de muitos, obtém justiça para eles.15 Mas não se pode dar ênfase suficientemente forte à idéia de que a teologia de Paulo não se baseava primariamente no estudo e na reflexão. Baseava-se primariamente na experiência que teve com Deus, que veio a "revelar seu Filho" nele (Gl 1:16) e inundou o seu ser interior de amor divino mediante a dádiva do Seu Espírito (5:5). Tudo o que ele tinha procurado pela afanosa observância da lei, agora lhe pertencia pelo dom de Deus — tudo aquilo e muito mais. Pois agora podia fazer a vontade de Deus com espontaneidade tão livre como jamais experimentara sob a lei. Tomou conhecimento de que fora aceito por Deus, fora justificado por Sua graça, recebera a
bênção de um novo poder no seu ser interior, e fora chamado para um serviço que daí em diante e para sempre daria sabor e propósito à vida. "O justo viverá por fé" — ou, como Paulo o expõe, "aquele que é justo pela fé é que viverá".15 Este não era somente o cerne de Gálatas e do texto de Romanos; era também o princípio básico da vida pessoal de Paulo. Repetidas vezes ele o inverte, e não só nestas duas epístolas. Quando recorda aos coríntios como Cristo foi feito "pecado" (isto é, uma oferta pelo pecado) por nós "para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5:21), ou quando fala aos filipenses da ambição que tinha de ganhar a Cristo "e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé" (Fp 3:8s., RSV), ele demonstra com muita clareza qual era a base da sua esperança e qual a força motivadora do seu ministério apostólico. O próprio contraste entre sua atividade anterior como perseguidor e sua nova vida como submisso escravo de Jesus Cristo, engrandecia a graça de Deus que lhe fora dada liberalmente, limpando sua ficha e fazendo dele o que agora era. Portanto, o caminho para a justiça, que ele expõe aos romanos, era um caminho que ele conhecia bem, desde que seus pés pisaram fora dos muros de Damasco. Os olhos não podem captar todos os elementos de autobiografia presentes nesta epístola — autobiografia de um homem justificado pela fé.17 "Justificação pela fé significa que a salvação depende, não dos sacramentos, nem do que faça ou não faça qualquer sacerdote ou presbítero, mas da simples resposta dada pelo coração crente à Palavra de Deus em Jesus Cristo. Observe-se bem o que realmente significa. Não se trata de mera ficção teológica. De um só golpe, corta a raiz de todo o vasto sistema do sacerdotalismo, com sua doutrina das obras que lhe é associada — penitência, peregrinações, jejum, purgatório, e tudo mais. A igreja deixou de ser uma hierarquia clerical realizando ritos considerados indispensáveis, em favor dos membros. Deixou de ser uma casta de sacerdotes dotados de poderes misteriosos — se não mágicos — à palavra de um bispo. Mas é o sacerdócio de todos os crentes em Cristo, e um ministério credenciado pela vocação do Espírito Santo, pelo competente exame da vida e da doutrina, e pelo consentimento do povo interessado. ... Aceite-se esta doutrina da Justificação e o leigo, o homem comum, o 'João da Silva', de um pulo passa a ocupar o centro."18 Pois esta doutrina coloca o homem face a face com Deus. E se o humilha até o pó diante de Deus, é que Deus pode levantá-lo e firmá-lo sobre seus pés. O homem que assim procede para com Deus, e que foi erguido e firmado pelo poder e graça do Onipotente, jamais poderá ser escravizado em espírito por qualquer outro homem. A doutrina da justificação pela fé é subjacente às formas que a democracia tomou nos países mais profundamente influenciados pela Reforma — é-lhes subjacente e as cerca das provisões básicas. É baluarte da verdadeira liberdade. Lutero foi acusado de "incitar revolução, dando à gentinha consciência de sua prodigiosa dignidade perante Deus". Como poderia repelir a acusação? O Evangelho, como o aprendeu de Paulo, faz precisamente isso. Todavia, apesar de a justificação dos pecadores pela fé somente ser crucial para o Evangelho paulino, ela não esgota aquele Evangelho. Paulo' coloca a doutrina da justificação — juntamente com outras doutrinas — no contexto da nova criação que veio à existência com Cristo e em Cristo. Que a absolvição no dia do juízo é pronunciada aqui e agora em favor daqueles que põem sua fé em Jesus, é parte integrante da verdade que afirma que, para eles, "a velha ordem passou, e uma nova ordem começou" (2 Coríntios 5:17, NEB) — verdade tornada real em sua experiência presente, pelo advento e pela atividade do Espírito.19 À influência de Romanos
No verão do ano 386 A. D., Aurélio Agostinho, natural de Tagaste, norte da África, então por dois anos professor de retórica em Milão, assentou-se a chorar no jardim do seu amigo Alípio, quase persuadido a começar vida nova, mas sem chegar à resolução final de romper com a vida que levava. Ali sentado, ouviu uma criança cantar numa casa vizinha: Tolle, lege! tolle, lege! ("Pega e lê! pega e lê!")1 Ao tomar o manuscrito que estava ao lado do amigo, seus olhos
caíram nestas palavras: "não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne, no tocante às suas concupiscências" (13:13, 14). "Não li mais nada", diz-nos ele, "e não precisei de coisa alguma. Instantaneamente, ao terminar a sentença, uma clara luz inundou meu coração e todas as trevas da dúvida se desvaneceram."2 O que a igreja e o mundo devem a este influxo de luz que iluminou a mente de Agostinho quando leu essas palavras de Paulo, é algo que está além da nossa capacidade de avaliação. Em novembro de 1515, Martinho Lutero, monge agostiniano e professor de teologia sagrada na Universidade de Wittenberg, começou a expor a Epístola de Paulo aos Romanos aos seus alunos, e continuou este curso até setembro seguinte. Conforme preparava as suas preleções, foi apreciando cada vez mais a centralidade da doutrina paulina da justificação pela fé. "Ansiava muito por compreender a Epístola de Paulo aos Romanos", escreveu ele, "e nada me impedia o caminho, senão a expressão: 'a justiça de Deus', porque a entendia como se referindo àquela jus-tiça pela qual Deus é justo e age com justiça quando pune os injustos. ... Noite e dia eu refletia até que ... captei a verdade de que a justiça de Deus é aquela justiça pela qual, mediante a graça e a pura misericórdia, Ele nos justifica pela fé. Daí por diante, senti-me renascer e atravessar os portais abertos do paraíso. Toda a Escritura ganhou novo significado e, ao passo que antes 'a justiça de Deus' me enchia de ódio, agora se me tornava indizivelmente bela e me enchia de maior amor. Esta passagem veio a ser para mim uma porta para o céu."3 As conseqüências desta nova compreensão que Martinho Lutero obteve do estudo de Romanos tiveram grande repercussão na história.4 Na noite de 24 de maio de 1738, João Wesley visitou "de muito má vontade uma sociedade reunida na rua Aldersgate, onde alguém estava lendo o Prefácio de Lutero, da Epístola aos Romanos. Quando faltavam cerca de 15 para as nove horas," escreveu no seu diário, "enquanto ele estava descrevendo a mudança que Deus opera no coração pela fé em Cristo, senti meu coração aquecer-se estranhamente. Senti que confiava em Cristo, somente em Cristo, para a minha salvação. Foi-me dada a certeza de que Ele tinha levado embora os meus pecados, sim, os meus. E me salvou da lei do pecado e da morte."5 Esse momento crítico da vida de João Wesley6 foi o acontecimento que, mais que todos os outros, deu início ao Avivamento Evangélico do século 18. Em agosto de 1918, Karl Barth, pastor em Safenwil, do Cantão de Aargau, na Suíça, publicou uma exposição da Epístola aos Romanos. "O leitor", diz ele no prefácio, "perceberá por si mesmo que foi escrito com um jubiloso sentimento de descoberta. A poderosa voz de Paulo era nova para mim. E se o era para mim, certamente o seria para muitos outros também. Entretanto, agora que terminei minha obra, vejo que resta muita coisa que ainda não ouvi..." Mas o que ouviu, escreveu — e a primeira edição do seu Rõmerbrief caiu "como uma granada no pátio de recreio dos teólogos".7 As repercussões daquela explosão estão conosco ainda. Não é possível predizer o que pode acontecer quando as pessoas começam a estudar a Epístola aos Romanos. O que sucedeu com Agostinho, Lutero, Wesley e Barth acionou grandes movimentos espirituais que deixaram sua marca na história do mundo. Mas coisas parecidas com essas aconteceram muito mais vezes com pessoas bem comuns, quando as palavras desta epístola penetraram nelas com poder. Assim, aqueles que a leram até esse ponto, estejam preparados para as conseqüências de prosseguirem na leitura. O leitor está avisado!

 FONTE: ROMANOS - INTRODUÇÃO E COMENTÁRIO - F. F. Bruce. M.A., D.D. AOS ALUNOS DE ANÁLISE DE ROMANOS

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